UPS! Vem aí um mano!

14.6.15
Imaginemos que passamos dias, meses ou mesmo anos a construir castelos na areia e, de repente, vem uma onda e leva tudo a frente… Para algumas crianças é exatamente isto que acontece quando realizam a chegada de um novo membro da família, que nunca viram (um estranho, portanto) e com quem lhes é pedido que partilhem a casa, a atenção, os brinquedos, as roupas e, muitas vezes, o próprio quarto. Ao constatarmos que somos feitos de hábitos e rotinas e que todos nos sentimos afetados quando alguma coisa foge do nosso controlo, não será difícil perceber que, quando não trabalhada, a chegada de uma criança possa também trazer ao mundo alguns desafios. As dificuldades de aceitação/ adaptação do filhos mais velhos, medos, ciúmes e chamadas de atenção nem sempre subtis (como as birras e comportamentos agressivos) e outros comportamentos regressivos (como o descontrolo dos esfíncteres, falar infantilmente, reclamar de novo a chupeta ou voltar a dormir na cama dos pais etc.) são alguns desses exemplos. O ciúme é um sentimento mais do que natural, com funções e objetivos específicos, que se manifesta de uma forma mais intensa por volta dos três anos. Por esta altura as crianças começam a descobrir que não são o centro do mundo e reconhecem a existência do "outro" para além delas próprias e que esse "outro" pode desviar a atenção daqueles de quem mais gostam. O sentimento de posse faz parte do comportamento egoísta do ser humano (“Tudo é meu!”). No entanto, pode também estar relacionado com a baixa auto-estima e a insegurança. É geralmente despoletado por pensamentos negativos que antecipam, neste caso, a chegada de um bebé. A competição estará sempre presente ao longo da vida e aprender a lidar com ela, desde cedo, irá facilitar o processo de enfrentamento de algumas das emoções negativas associadas. Ensinar a compartilhar e a dividir deve fazer parte do processo educativo e da aprendizagem da criança bem como clarificar os diferentes papéis no contexto familiar, promovendo o sentimento de pertença da criança. E como é que isto se faz?

· Prepare a criança para a chegada de um bebé
No período que antecede a chegada de um irmão, os pais devem partilhar com a criança as diferentes etapas da preparação para o nascimento do bebé: permitir que toque na barriga da mãe e a sinta a crescer, incluí-lo na discussão de questões relacionadas com o nascimento, envolvê-lo na decoração do quarto, das roupinhas, escolha do berço e até mesmo na preparação de um presente de boas vindas como por exemplo, um desenho que pode ser oferecido na primeira visita à maternidade. Este processo aumenta a perceção da criança de que permanece ativo na dinâmica familiar e de que é detentor de um papel realmente importante.

· Evite alterações na rotina simultâneas à chegada do bebé
Antecipe algumas das alterações que poderão surgir na sequência do nascimento de um bebé no que respeita a rotina habitual da criança. Alterações como quem vai levar ou buscar à escola, mudança de quarto ou a reestruturação de alguns hábitos devem ser entendidas como decorrentes de um processo de evolução natural e não como consequência da chegada de um irmão que compete pela atenção e amor dos pais.

· Reserve momentos especiais para estar com o seu filho
Ame cada filho à sua maneira e não todos da mesma maneira. Recorde a importância que a criança tem na sua vida, verbalizando sentimentos positivos associados à sua existência (“Preciso tanto de ti”; “Tens-me ajudado mesmo muito!” ou “Sem a tua ajuda tudo seria muito mais difícil”). Reserve momentos a dois com o seu filho e valorize o vosso trabalho enquanto parceiros nas diferentes tarefas que envolvem a rotina diária do bebé, delegando algumas tarefas. Quanto maior a cooperação maior o tempo que restará para usufruir de uma qualquer atividade planeada . Guarde tempo para alguns jogos, para ver um filme, uma ida ao parque e procure não falhar nos seus compromissos. Assim, a criança compreende que, apesar de existirem momentos em que terá de partilhar a atenção, também haverá tempo para alguma exclusividade.

· Reforce o crescimento do seu filho 
Elogie as novas aquisições e aprendizagens do seu filho (comer sozinho, dormir sozinho, falar corretamente) , valorizando a importância do seu papel na transmissão dessas aprendizagens ao mano mais novo e reconhecendo o seu esforço no alcance e concretização de cada etapa. Desta forma, será mais fácil para a criança compreender a evolução e o crescimento como motivo de orgulho e contentamento para os pais

· Evite atribuir demasiadas responsabilidades à criança
Apesar de existir um novo elemento na família, assegure todos os direitos do seu filho no que respeita a vivência de uma infância plena de oportunidades. Evite envolvê-lo em demasiadas tarefas e responsabilidades que muitas vezes resultam da dificuldade na gestão do tempo que tem disponível. Não exija mais do que exigia há uns dias atrás e recorde que, apesar de resilientes, todas as crianças precisam de pais coerentes e regras consistentes.

· Lembre-se que as lutas entre irmãos acontecem
Dê ao seu filho a oportunidade de desenvolver competências de comunicação e resolução de problemas eficazes abrindo espaço para a negociação entre irmãos e gestão da frustração, muitas vezes associada aos momentos de conflito. Acima de tudo, seja paciente. 

· Coloque limites
Assegure estabilidade e consistência em casa (limites consistentes, regras claras e rotinas previsíveis). Depois de dar atenção e reassegurar à criança que seu lugar está garantido, não se pode deixar manipular pelos desejos da criança. Com um limite firme, mas amoroso, transmita à criança a confiança de que ela é capaz de suportar a frustração de não ter atenção exclusiva. Isso será fundamental para o amadurecimento das relações de respeito e generosidade na vida social.

· Use e abuse da “Linguagem das Emoções”
Aceite a emotividade do seu filho, orientando e suportando o controlo das suas emoções. Fale sobre os seus próprios sentimentos e emoções e estimule a prática de um auto-diálogo positivo. Promova a “chuva de ideias” na resolução de problemas e conflitos entre irmãos e elogie o seu filho quando conseguir controlar-se sozinho. Mantenha hábitos positivos (otimismo, socialização, busca de estratégias conciliatórias para a solução de conflitos) nunca esquecendo que os comportamentos dos pais são frequentemente observados e imitados pelas crianças.


Recorde sempre a impossibilidade de fechar o coração para o que não se quer sentir, seja compreensivo e paciente. Adeqúe as estratégias às características e temperamento do seu filho, promova a qualidade de escuta ativa na família e, acima de tudo, dê tempo ao tempo.

Texto Dr.ª Carolina Costa
Clínica Psiquiátrica Dr. José Carvalhinho
Telm: 914912129

Sem comentários:

Enviar um comentário