Mães de Leiria - Dora Guilhermino

26.1.16

Ainda há tantas histórias de vida, histórias de famílias para contar e para serem partilhadas que a rubrica Mamãs de Leiria está de volta, desta vez com a honra de conhecer a Dora, a mamã que reconheceu que pedir ajuda seria a solução, que falar abertamente de depressão pós parto seria benéfico para ela e para outras mães que em silêncio sofrem. Conheçam esta família, onde a mais pequena põe à prova o amor deste casal, aliás como em todos os casais, verdade?



Apresenta cada um de vocês e identifica algumas das características/personalidade.
Mãe: Dora, 33 anos. Tenho uma qualidade que ao mesmo tempo é um defeito, sou muito perfecionista. Em muitas situações é ótimo, mas noutras é muito prejudicial. Adoro sair com os amigos à noite, ou melhor adorava... Agora o que mais gosto de fazer à noite é mesmo dormir :) 

Pai: Rui, 33 anos. Muito trabalhador e verdadeiramente apaixonado pela família, principalmente pela Carolina. Tão apaixonado que tem dificuldade em impor limites.

Filha: Carolina, 2 anos. Muito teimosa, muito persistente, muito carinhosa, muitooo comilona (numa festa é a última a acabar de comer e antes de virmos embora da festa tem de comer mais qualquer coisinha...), pouco dorminhoca (podia comer um bocadinho menos e dormir um bocadinho mais :) ). Adora cantar e dançar, principalmente com a mãe. Melhores amigas dela, a chupeta e a popota. 

Como é o vosso dia a dia/rotina diária?
Felizmente, o nosso dia não começa muito cedo. Acordamos por volta das 08:30h. O pai trata da Carolina (muda-lhe a roupa, dá-lhe o pequeno almoço e apronta para a sair da casa) e eu trato dos pequenos almoços e dos almoços, de tudo o que precisamos para sair de casa. Depois o pai vai trabalhar, eu vou levar a Carolina à creche e sigo para o meu trabalho. Ao fim do dia, os avós maternos vão buscar a Carolina à creche. E no fim de jantar vamos todos para casa fazer as tarefas de fim do dia. Como a Carolina ainda dorme mal, nunca sabemos quando vai dar uma boa ou má noite, aproveitamos para nos deitarmos o mais cedo possível para descansar o máximo.

Como é conciliar o trabalho com a maternidade? A Carolina ficou contigo até aos 15 meses, imaginavas-te a ser “mãe a tempo inteiro”?
Na altura que a Carolina nasceu, nós morávamos em Lisboa e não tínhamos apoio nenhum familiar. Durante os primeiros meses de vida dela começámos a pensar sem apoio de ninguém que iria ser muito difícil conciliar a maternidade e os trabalhos que nos ocupavam pelo menos 11h diárias (nos dias bons), com folgas rotativas. Então decidimos voltar às nossas origens. Agora é muito mais simples, mas ficamos sempre a pensar que estamos a trabalhar demais e que devíamos era estar mais tempo com a Carolina. Afinal nós é que somos os pais e não os avós. A Carolina só foi para a creche aos 15 meses por vontade da avó, que quis ficar com ela. Mas eu achei que lhe fazia bem ir para a creche para socializar e que quanto mais tarde fosse pior seria para ela. Nunca me imaginei ser mãe a tempo inteiro, mas depois de ela ter nascido tive ainda mais a certeza de que esse não era o meu papel. Eu assumo (apesar de haver pessoas chocadas com o que vou dizer) que sou daquelas mães que tem dias que está ansiosa para ir para o trabalho, para descansar do “trabalho” de ser mãe. Quando estou no trabalho quero voltar ao “trabalho” de ser mãe.



Tiveste a coragem de assumir publicamente que num período pós parto a maternidade não foi a melhor coisa que te aconteceu na vida, o que sentias? Como é que tu e quem estava próximo lidou com a situação?
A pergunta difícil... De fato o primeiro ano de vida da Carolina é um ano para esquecer. No dia que a minha filha nasceu foi o dia que entrei em depressão pós parto. Na altura não o queria assumir porque tinha vergonha. Afinal não havia motivos para eu estar assim, a minha filha era normal e saudável. Tinha um marido que me apoiava em tudo, ou melhor quase tudo... não dava mama... Então porque raio não estava feliz, quando a sociedade nos impõe que “ser mãe é a melhor coisa do mundo e que no dia que nasce um filho apaixonamos imediatamente por ele”?! Na minha cabeça apaixonar-me pela minha filha no dia do parto nunca fez sentido, porque eu nunca gosto de uma pessoa no primeiro contacto com ela, preciso de mais contactos. Mas não podia falar nada disto e muito mais que me passava pela cabeça com ninguém, à exceção do meu marido. O que as pessoas iriam dizer?!... A ele sempre lhe disse tudo, até as piores coisas que pensava. Sabia que podia confiar nele a 100%. Tudo isto era uma situação nova para os 2, não sabíamos lidar com isto e ele nunca quis valorizar muito a situação para não agravar. Mas aos 3 meses eu não aguentei mais e pedi ajuda à família, mesmo sabendo que não ia ser compreendida. E a partir daqui comecei uma longa jornada de recuperação, de muitos altos e baixos, que só passou por volta dos 21 meses. A relação conjugal sofreu muito e não é qualquer relação que supera estas situações. Hoje percebo o porquê de ter passado por tudo isto, mas confesso que precisei de ajuda psicológica e acima de tudo força de vontade. Foi difícil assumir tudo isto, principalmente publicamente, mas era muito importante para mim tentar mostrar o que passei, para ajudar quem estivesse a passar pelo mesmo. Eu procurei ajuda de pessoas que tivessem passado pelo mesmo, que tivessem recuperado e como. Precisava de ouvir “eu estive desse lado e consegui, tu também consegues”. Encontrei apenas uma familiar e uma colega da escola. E há tanta gente por aí a passar pelo mesmo sozinhas e sem apoio, o que torna tudo muito mais difícil e às vezes nem recuperam. 

Que mensagem deixas para as mães que estão a passar por uma depressão pós parto/baby blues?
Aquela que me disseram e sempre quis ouvir “tu consegues, é uma fase e vai passar, mas demora algum tempo, quanto tempo?! só depende de ti”. A cima de tudo é muito importante falar com alguém, especialmente com o marido/companheiro. Eles são o nosso maior apoio e sem eles torna-se tudo ainda pior e mais dramático. E não ter vergonha de procurar ajuda externa. Eu tomei produtos naturais, fiz n terapias e por fim, recorri ao psicólogo (e todos à minha volta me diziam que não era preciso, tenho a certeza que se tivesse ido mais cedo teria sofrido menos e durante menos tempo. É muito importante estarmos atentas aos sinais, porque se aturamos logo no inicio a recuperação é mais fácil e menos demorada. E todas nós sabemos quando não estamos bem, a maior parte das vezes não queremos admitir porque fomos ensinadas a ser supermulheres e supermães. Não precisamos de o ser. 

Os nossos filhos não querem supermães... querem apenas mães felizes!

Tens momentos em que te apetece desligar o "botão mãe"? O que fazes?

Claro que tenho! Em 3 alturas principalmente. Às 2h ou 3h quando a Carolina acorda a chorar como se o mundo fosse acabar, nós não sabemos o que fazer para a acalmar, e volta a adormecer, nos dias bons, uma hora e meia depois. Quando o despertador toca depois de uma noite dessas. Quando quero passar a tarde deitada no sofá e a Carolina quer brincar. O que faço?!... Respiro fundo, visto o meu fato de mãe e aí vou eu!


Quando pensas na Carolina, qual o maior desejo para ela?
Simplesmente que seja feliz com as escolhas dela, se o desejo dela é limpar as ruas pois que seja. O importante é ser feliz, não temos que ser todos doutores ou engenheiros. E que seja educada, com valores e que nunca desista de lutar pelos seus sonhos.

Qual o vosso melhor programa em família?
Insolarmo-nos do mundo e passarmos momentos a 3 a fazer o que realmente nos apetece naquele momento. Esquecer-nos de tudo e todos, esquecermo-nos de que “amanhã” é segunda-feira e temos de voltar ao trabalho, esquecermo-nos da maldade do mundo, vivermos o momento aqui e agora.

Perdes a cabeça com…. 
A teimosia da Carolina, se é assim com 2 anos imagino na adolescência...

Amas quando…. 
A Carolina me chama mãe e diz que gosta de mim, muito... muito muito... J

Ser Mãe é… 
Cantar e dançar muito; dormir pouco; comer a comida fria; não ter tempo de me arranjar para sair de casa; perder a paciência mais vezes do que o meu normal; não passar tardes inteiras a ver filmes; pensar todos os dias se tomei as decisões certas na sua educação; viver permanentemente na dúvida... e ainda assim ser MUITO feliz!!!

Obrigada Dora pela sinceridade, pela abertura, pela partilha. Tenho certeza que ajudaste muitas de nós a perceber o que se passa quando não amamos de imediato aquele pequeno ser, que afinal não somos extraterrestres, que há muita boa mãe que passou pelo mesmo. Beijinhos e a Carolina é gira que se farta, tens que ter só mais um bocadinho de paciência ;)

Fotos by Sara Martins

Sem comentários:

Enviar um comentário