Um Psicólogo para o meu filho? Ora essa!

15.4.15
Na odisseia do desenvolvimento muitos são os pais que, num ou outro momento, sentem “perder as estribeiras”, não estar a “dar conta do recado” e chegam a desejar parar o tempo e, como num passo de mágica, apagar o que correu mal e reescrever uma nova história. 

“Onde é que eu errei?”, “Terá sido alguma coisa que eu fiz?” são questões que se colocam perante a perceção de que algo não está bem com o seu filho. Neste sentido, a ida ao psicólogo é muitas vezes encarada como sinónimo de fraqueza e incompetência, associada ao receio de transmitir uma imagem negativa da capacidade de controlo sobre o próprio filho e o seu comportamento (“O que é que os outros vão pensar?”; “Deve haver alguma coisa que eu ainda possa fazer…”). Não menos importante, neste ranking de receios camuflados, é o estigma social e o receio de colocar um rótulo na criança, o que coloca o psicólogo na lista de soluções de último recurso, quando “tem mesmo de ser” porque mais nada parece resultar… assim, um problema que, muitas vezes, até passava despercebido, ganha proporções significativas, borra-se a pintura e as dificuldades tornam-se muito mais difíceis de esbater! 

Mas, afinal, o que é ser bom pai?
O facto de uma família pedir ajuda significa que soube reconhecer a existência de um problema, identificá-lo e recorrer a apoio externo. A psicoterapia promove a observação do comportamento da criança, apoiando os pais na identificação das principais dificuldades e potencialidades dos filhos, num processo de adaptação contínuo. A aliança terapêutica, assente no acordo intercomunicadores (família - técnicos - escola), é por isso indissociável do sucesso da intervenção realizada. Neste contexto, o papel do psicólogo, engloba a transmissão de um reportório comportamental adaptado, de forma a que todos possam participar ativamente no processo de intervenção.

Principais sinais de alerta? 

- Atrasos ao nível do desenvolvimento normativo (ex. dificuldades no controlo dos esfíncteres);

- Alterações no comportamento alimentar e ritmo de sono;

- Isolamento e alterações de humor;

- Modificação de comportamentos por supressão, adição ou alteração (acontecimentos de vida significativos que provocam alterações no comportamento manifestado pela criança; comportamento desafiante; agressividade);

- Dificuldades de aprendizagem (desatenção, irrequietude, desorganização, fraca autonomia, dificuldades ao nível da leitura e da escrita)

Questões úteis para a avaliação do problema

Na avaliação da pertinência de recorrer ou não à ajuda de um psicólogo existem algumas questões de extrema importância que devem ser absolutamente consideradas:

- Há quanto tempo persiste o problema?

- Até que ponto a dificuldade sentida interfere com a funcionalidade da criança?

- O problema é esperado para a idade?

-Já foram esgotadas todas as estratégias para a resolução do problema?

- A criança respondeu bem a uma estratégia e depois o comportamento voltou?

- Aconteceu alguma coisa que possa ter motivado o aparecimento do comportamento-problema?

Qualquer problema aparente deixa de o ser a partir do momento em que não invalida o funcionamento global da criança quer ao nível da aprendizagem, quer ao nível das relações, quer ao nível do desenvolvimento global. É por isso que este conceito, no seu sentido mais lato, apresenta diferentes implicações, de acordo com a cultura, os hábitos e rotinas do meio envolvente. Neste sentido, importa testar a validade de cada dificuldade percebida, listar as perdas e os ganhos, para que se possa assumir estar perante um problema. No caso das crianças, todos estes critérios são facilmente respondidos já que, quando algo não está bem, tende a repercutir-se a nível familiar, escolar e no relacionamento com os pares. Quando estas dificuldades são persistentes, desajustadas e causam sofrimento significativo para a criança e os que a rodeiam, chegou a hora de intervir!

Porquê um psicólogo?
O psicólogo apresenta-se como um elemento externo, imparcial e com conhecimentos específicos que pode ajudar na altura de perceber um pouco mais sobre um problema, compreender as suas causas e avaliar possíveis soluções. A intervenção psicológica oferece uma oportunidade para a não cristalização de comportamentos disfuncionais que parte de um momento de avaliação, com evidência científica e empírica, passando pela observação do comportamento da criança, recurso a testes, questionários e outros materiais que auxiliam na identificação do problema e na partilha de competências e padrões comportamentais.

Um psicólogo credenciado!
Se pretende recorrer à ajuda de um psicólogo, deve aconselhar-se junto da escola do seu filho, pediatra ou amigos que possam referenciar-lhe alguém. Deve também certificar-se de que o psicólogo está inscrito na ordem dos psicólogos portugueses (consultar site oficial). Nas primeiras sessões será importante apurar a qualidade da relação terapêutica estabelecida com a criança sendo esta uma condição essencial para o sucesso da intervenção.

O que dizer à criança?
A melhor forma de explicar a uma criança onde vai, porque vai e o que é um psicólogo é com palavras simples e de fácil compreensão. Não dê à criança mais informação do que ele pede e necessita. Procure usar linguagem adequada à idade e maturidade da criança evite fazer referência à primeira consulta com muita antecedência para que não cause ansiedade. Seja sincero e fale do psicólogo referindo o seu próprio nome, como um “ajudante especial”, o “doutor do coração”. É igualmente importante diferenciar a ida ao psicólogo de uma ida ao médico ilustrando a primeira como um momento privilegiado onde haverá espaço para conversar, brincar, jogar, desenhar…. E muito mais!

A 1ª consulta
As sessões de acompanhamento psicológico pautam-se por diferentes momentos que partem de um processo de avaliação inicial das dificuldades da criança e posterior elaboração de um plano de intervenção. Na primeira consulta é realizada uma entrevista com os pais ou encarregados de educação, para a necessária exposição das dificuldades atuais, que implica o despiste de comportamentos disfuncionais mais óbvios e manifestações subtis de comportamento. Estas últimas estão associadas a características situacionais minor que possam estar a fazer sombra às reais dificuldades da criança. Posteriormente será dado o racional acerca do processo de avaliação, intervenção e follow-up a decorrer nas sessões seguintes.

Necessidades específicas, consultas específicas
Nas consultas de psicologia infantil a intervenção é feita ao nível das necessidades comportamentais, relacionais, emocionais e familiares da criança. Partindo da identificação de um problema e da articulação de um plano de intervenção global, que envolve sempre os pais e, muitas vezes, professores e outros cuidadores, são trabalhadas as competências necessárias para atingir determinado(s) objectivo(s).

Quando as dificuldades particulares de cada criança se refletem essencialmente ao nível do insucesso escolar, dificuldades de atenção, concentração, métodos de estudo, organização e gestão do tempo, a intervenção deve ser realizada nos termos do apoio psicopedagógico. Através deste apoio e após um processo de avaliação indissociável, é igualmente delineado um plano de intervenção com o objetivo de proporcionar a aquisição e o treino de competências facilitadoras de um processo de aprendizagem eficiente, essenciais ao bom desempenho escolar.

As consultas de aconselhamento parental destinam-se a pais e encarregados de educação que procuram um espaço de reflexão e aconselhamento específico para, em conjunto com o psicólogo, serem trabalhados aspetos relacionais e competências parentais específicas (know-how). Esta consulta tem como objetivo promover o sucesso e autonomia das relações familiares, enquanto oportunidade para a exposição de dúvidas e discussão de estratégias a implementar. 

Perguntas Frequentes

O meu filho vai sentir-se diferente?
A experiência que tenho tido é a de que as crianças gostam, efetivamente, de ir ao psicólogo. Encaram esse momento mais como um privilégio do que como um aspeto negativo nas suas vidas. É o momento deles, numa relação de total exclusividade e respeito. Acima de tudo, as crianças reconhecem os benefícios da terapia ao longo do tempo e devem ver o seu interesse reforçado a partir do reconhecimento de todos os esforços e mudanças que vão ocorrendo.

Posso saber mais do meu filho através do psicólogo?
Todos os psicólogos são obrigados a reger a sua atividade segundo um código deontológico que obriga ao sigilo e à confidencialidade. A confiança é primordial e não pode ser abalada pela sensação de ter no psicólogo um “falso confidente” que serve de pombo correio na satisfação das naturais necessidades de informação dos papás. Fornecer o feedback aos pais acerca do que está a ser trabalhado ao longo das sessões torna-se essencial para que percebam como está a decorrer a intervenção e como podem colaborar no processo. Qualquer informação cuja ocultação seja passível de colocar em risco o bem-estar físico e emocional da criança ou dos que a rodeiam será naturalmente transmitida a quem de direito.

Posso assistir às consultas?
No decorrer das sessões de acompanhamento realizadas com a criança será requisitada a presença dos pais em alguns momentos no sentido de definir estratégias, mediar conflitos, delinear objetivos e desenvolver competências parentais proativas. Contudo, a consulta de psicologia é para a criança e, no sentido de promover uma relação empática e terapêutica funcional, esta deve reconhecer aquele como o seu espaço e poder contar com a sua exclusividade. Algumas crianças ficam visivelmente ansiosas na presença dos pais. Para outras, esta situação constitui um fator de distratibilidade, pelo que os riscos da sua permanência nas sessões deverão sempre ser avaliados e considerados. No final de cada sessão, haverá sempre tempo para o feedback que os pais procuram.

Os psicólogos só brincam?
A verdade é que os psicólogos também brincam! No jogo lúdico cria-se uma oportunidade única para o estabelecimento da relação terapêutica, indispensável ao sucesso da intervenção a realizar. Através do brincar é possível ter acesso à expressão do mundo interno das crianças e à exteriorização dos seus pensamentos e sentimentos. Considera-se ainda que, através do jogo simbólico, livros, vídeos e outros meios de intervenção pedagógica, obtemos um meio auxiliar para a aprendizagem e modelagem de comportamentos funcionais, capazes de fomentar a capacidade de resiliência e resolução de problemas, particularmente útil no trabalho com crianças mais pequenas.

Quanto tempo demora a terapia?
A variabilidade contextual é um fator determinante estimativa de um tempo para a terapia. As características do problema, o envolvimento familiar e as próprias especificidades da criança tornam-se determinantes para o abreviar ou prolongar do período de intervenção. É como ir ao ginásio, se for todos os dias e tiver cuidado com a alimentação, os efeitos esperados serão naturalmente obtidos com maior rapidez! 

No que concerne a periodicidade das sessões é evidente que quanto mais frequentes forem as consultas mais facilmente se reúnem as condições para a obtenção rápida dos ganhos pretendidos. Considera-se que as consultas semanais, sempre que possível, apresentam o intervalo de tempo ideal para a reflexão, assimilação de conteúdos, ensaio comportamental e acomodação dos sentidos às novas aprendizagens.

Como se podem modificar comportamentos dentro de um consultório?
A psicoterapia, de uma forma geral, resulta num momento privilegiado para a transferência e criação de padrões de funcionamento. O meio sócio-cultural organiza o cérebro ao longo do tempo, por meio do estabelecimento de novas conexões neuronais sem que, para acontecer, necessitem de alterações morfológicas associadas. Da mesma forma, o processo terapêutico permite a criação de novas conexões na rede neuronal (plasticidade cerebral), sendo possível modificar perceções, reções e comportamentos, como consequência do processo de intervenção terapêutica, no próprio consultório. A mudança é promovida no cérebro da criança e não resultado de um condicionamento ambiental e, por isso, passível de se generalizar para diversos contextos.

Dicas úteis
Se as estratégias que está a utilizar com o seu filho, ao nível da resolução de problemas, parecem não estar a resultar, procure alternativas. As necessidades das crianças não são estanques e como elas também a forma de atuar deve refletir uma evolução. Dê afeto sem constrangir. As crianças precisam de mimo e afeto mas também valorizam o seu próprio espaço por isso, respeite a sua privacidade. Envolva-se frequentemente em atividades prazerosas com o seu filho e esteja atento a pequenos sinais de alerta que possam estar a manifestar-se como “SOS - preciso de ajuda”. Lembre-se que as regras são necessárias para o crescimento saudável da criança. Ela sente-se amada e segura quando certos limites lhe são impostos. Defina limites claros e consistentes e envolva o seu filho no processo de reconhecimento e tomada de decisão no que respeita os seus direitos e deveres, o deve ou não fazer e discuta com ele os porquês. Perante uma dificuldade, avalie o antes, o durante e o depois… tente perceber o que poderá estar na origem do problema, qual o seu estilo de resposta perante o mesmo e quais as consequências que daí resultam. Se não está a ver resultados será, certamente, porque a forma de lidar com o problema não está a ser a melhor e, muito provavelmente, precisa de ser revista e reajustada. Recorde sempre as palavrinhas mágicas: coerência na forma como responde ao problema, constância na aplicação da resposta e consequência contingente e lógica. Se “uma criança não é uma criança para ser pequena mas para se tornar adulta” (Èdouard Claparède), é nos pequenos gestos de hoje que iremos ver refletidas as ações de amanhã, os ganhos e perdas de um futuro incerto. Não se criam filhos perfeitos mas transmitem-se valores, ensinamentos, traçam-se as metas, costuram-se novos futuros. Quanto mais forte for a linha que cose, por mais tempo resistirão as aprendizagens, bem arrumadinhas, cada uma na sua gaveta… e as emoções, essas, nunca irão descarrilar… e se descarrilarem, facilmente se irão encontrar, voltar a si e alcançar a meta! Toca a costurar filhos bonitos, não perfeitos, mas bonitos!
 
Clínica Psiquiátrica Dr. José Carvalhinho
Telm: 914912129

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